[Entrevista] Sandra Abrano - Tomo Literário


Sandra Abrano é escritora e editora. Seu livro Vestígios – Mortes Nem Um Pouco Naturais é um dos finalistas do Prêmio Aberst de Literatura. Sandra falou ao Tomo Literário sobre sua jornada no meio literário, sobre seu livro, processo de pesquisa da obra, o mercado literário, inspirações e muito mais. Leia a entrevista.

Tomo Literário: Como foi o seu primeiro contato com a literatura e quando decidiu ser escritora?

Sandra Abrano: Em 1989 fui selecionada para participar da Oficina Três Rios, na área de Criação Literária, coordenada por João Silvério Trevisan (Pai, Pai / Ana em Veneza). Nessa época, nem se ouvia falar em oficinas literárias. Alguns de nós seguiram para a segunda parte dessa oficina, o Criatorium e, acredite, por quatro meses recebemos uma bolsa de estudos da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, no valor de meio salário mínimo para desenvolver um projeto literário! Aí escrevi meu primeiro romance, A LEITORA (inédito). Desse grupo participaram João Carrascoza (Aos 7 e aos 40 / Trilogia do Adeus), Ana Muylaert (Que horas ela volta / Mãe só há uma), Maria Luiza Xavier Souto (Manhã de Arrebol), Henrique Felix (Em cima do ringue / Quermesse maluca), Fernando Neves (As Louras da Minha Vida – no prelo) e muitos outros poetas e escritores.

Tomo Literário: Seu livro “Vestígios – mortes nem um pouco naturais” é um dos finalistas do Prêmio Aberst na categoria Romance Policial/Suspense. Qual a expectativa em relação ao prêmio e como é figurar entre os finalistas?

Sandra Abrano: Os prêmios literários têm um papel importantíssimo para qualquer escritor porque dá visibilidade ao livro e marca a trajetória de um autor iniciante. Posso dizer que foi um tanto de surpresa e outro tanto de alegria, principalmente pelo fato da ABERST ser uma associação de escritores. Ser selecionado por uma turma dessas é o máximo.

Tomo Literário: Como surgiu a ideia do livro “Vestígios – mortes nem um pouco naturais” e quanto tempo levou o processo da escrita até a publicação?

Sandra Abrano: Foram 5 anos de trabalho, da escrita das primeiras páginas à publicação.  Abordar a história recente do Brasil e transformá-la em um livro de ação e de suspense não é comum na ficção brasileira e isso me motivou, principalmente por ter vivido essa época.

VESTÍGIOS inicia a narrativa em 1976, ainda no governo militar, e esse período é fértil porque o sistema organizado pelos militares e seus apoiadores ainda está em movimento, tentando de todas as formas sobreviver às iniciativas de abertura política para a via democrática, seja com ataques a bomba às bancas de jornais e, também, é claro, o ataque frustrado ao RioCentro, seja com ataques entre eles próprios, em uma verdadeira caça às bruxas.

Tomo Literário: De que forma é o seu trabalho de pesquisa para a composição das suas obras e a criação de seus personagens? Poderia comentar um pouco para os leitores?

Sandra Abrano: Como é um livro que pretende contar a respeito da atuação dos agentes secretos brasileiros, tive que fazer uma extensa pesquisa baseada em depoimentos. O primeiro foi Cláudio Guerra, hoje um pastor evangélico, tido como responsável por 60 execuções em curto espaço de tempo. Nas palavras de Marcello Netto e Rogério Medeiros, aos quais Guerra deu seu depoimento, ele foi "um agente secreto que nunca esteve em listas de entidades de defesa dos direitos humanos e de torturadores, até porque não torturava. Matava. Guerra começou a eliminar esquerdistas em 1973.” Mas como as teias do crime são amplas, Cláudio Guerra não se ateve a matar e desaparecer com os corpos de militantes de esquerda, ele foi participante do Esquadrão da Morte e apontado pela Polícia Federal como chefe do crime organizado do Espírito Santo, até sua condenação a 42 anos de prisão pelo assassinato do bicheiro Jonathas Bullamarques.

Já com o agente secreto codinome Carioca, conheci o lado dramático do "trabalho" de perpetrador de violência. Ao ser assassinado, Carioca deixou uma grossa pasta repleta de anotações de suas ações, entregue à editora que o publicou por uma mulher que pediu anonimato. Taís de Morais verificou todas as informações e organizou as "Revelações de um agente secreto da ditadura militar brasileira", no livro Sem Vestígios.

Mas, além de depoimentos como esses e tantos outros publicados em jornais e revistas para compor o cotidiano / personalidade / ações dos agentes secretos que são personagens de VESTÍGIOS – Mortes nem um Pouco Naturais, pesquisei intensamente a respeito do funcionamento do serviço secreto brasileiro -- ou o Serviço como é conhecido internamente --, principalmente o SNI (Serviço Nacional de Informações 1964-1990) e o CIE (na época, Centro de Informações do Exército), além da ESNI (Escola Nacional de Informações 1972 – 1990), uma escola para formação de agentes secretos no Brasil. Essa pesquisa demandou praticamente todo o tempo da escrita de Vestígios.


Tomo Literário: Como você vê atualmente o cenário literário brasileiro, sobretudo para as escritoras de suspense e literatura policial?

Sandra Abrano: Vejo com otimismo o lançamento de tantos e variados títulos. Os escritores estavam sufocados pela falta de alternativas de publicação e, agora, esse cenário está bem melhor com o surgimento de várias pequenas editoras, conhecidas como independentes. Há crítica quanto à qualidade de alguns livros lançados, mas acredito que é uma fase intermediária e que, em breve, os escritores iniciantes perceberão a necessidade do trabalho e retrabalho intenso com seus originais, de leituras críticas consistentes feitas por profissionais de edição, até a escolha de uma editora que garanta uma boa revisão de língua portuguesa.

Tomo Literário: De modo geral o que te move a escrever? Quais suas inspirações?

Sandra Abrano: Tem um escritor chileno, o Alejandro Zambra, que disse: “Aquele que lê sabe ficar sozinho. Aquele que escreve sabe ficar sozinho. Num mundo em que ninguém quer ficar sozinho, este gesto adquire um valor imenso.” Escrever é um trabalho desgastante, mas generoso. Eu me divirto e me completo escrevendo (e também lendo, atividade fundamental para quem quer escrever bem).

Tomo Literário: Você está preparando algum novo projeto literário? Pode nos adiantar alguma informação?

Sandra Abrano: Sou também editora por profissão. Estou organizando uma série de livros que traz fragmentos de escritores ou poetas clássicos, acompanhados de páginas em branco reservadas para a escrita. Temos o primeiro título lançado pela editora Bandeirola, o EU e CERVANTES, e ele está lindo com as ilustrações de Gustave Doré. É um livro bacana para quem quer escrever. Pessoalmente, tenho me dedicado aos contos, enquanto penso (penso e penso) em um original de ficção em andamento. Sou lenta para escrever, e persistente.

Tomo Literário: Quais são os autores que você admira ou que de alguma forma influenciaram o seu trabalho como escritora?

Sandra Abrano: Tudo influencia a escrita, não só a literatura. Vou contar os meus escritores preferidos. MOACYR SCLIAR, puxa, ele era um ótimo escritor. Com A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA a gente ri muito e aprende outro tanto porque o Scliar era muito culto. Já em A MAJESTADE DO XINGU, ele trouxe o tema da imigração e a história do Brasil dos anos 1960 e 1970 com muita propriedade. Noemi Jaffe é uma escritora sensível e seu IRISZ: AS ORQUÍDEAS trata do amor e do exílio em um livro primoroso pelo cuidado com o sentido e adequação das palavras. Adoro os CONTOS de Mário de Andrade, a intensidade de Lúcio Cardoso em CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA, sem falar de Cervantes, Dostoievski, Homero porque ler os clássicos é uma pedra de apoio fundamental. Eu gosto muito do Leonardo Padura e seu O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS é sensacional. No último ano li os livros de Javier Cercas, como o VENTRE DA BALEIA e O MOTIVO que, além de serem livros de ficção, discutem a Literatura e o ofício do escritor.

Tomo Literário: Que livros, de quaisquer gêneros, você recomendaria aos leitores? Está lendo algum atualmente?

Sandra Abrano: Recomendo todos os citados na resposta anterior. Estou lendo Ismail Kadaré, autor do conto que deu origem ao filme Abril Despedaçado. Aos fãs de romances policiais eu indico os livros de Leonardo Padura que tem o detetive Mário Conde como personagem e são ambientados em Cuba, terra natal do escritor.

Tomo Literário: Gostaria de deixar algum comentário para os leitores do blog?

Sandra Abrano: Ler é uma delícia, não? É entrar em mundos reais e imaginários, enfrentar perigos, esquisitices, conhecer o amor e a dor. Aproveite!

Para conhecer o livro Vestígios – Mortes Nem Um Pouco Naturais acesse o site da Bandeirola ou Estante Virtual.

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