O Mitômano - Mario Abbade e Celso Rodrigues Ferreira Junior - Tomo Literário

O Mitômano - Mario Abbade e Celso Rodrigues Ferreira Junior

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Qual a maior mentira que você já ouviu na sua vida? Você acreditou? E qual a maior mentira que você contou? Acreditaram? A mentira é o mote central do livro O Mitômano - Uma Comédia de Verdade.

"... com alguma malandragem era possível escapar das situações complicadas e contar a verdade nem sempre era uma boa ideia."

Quando tinha cerca de onze anos de idade, Frank se deu conta de que mentir poderia ser uma bom artifício para que utilizasse em momentos de dificuldade, além de, por meio dela, "conseguir realizar as próprias vontades".

A mentira, sempre presente na vida do protagonista, serviu de apoio para situações que vivenciou no período escolar. Simulações e dissimulações que iam pouco a pouco lhe servindo como estratégia para alcançar seus objetivos; fosse não fazer uma prova ou tentar evitar a reprovação. Esse tempo da vida do personagem nos é contado pelos autores para que possamos entender a dimensão da personalidade de Frank, o Pinóquio brasileiro de carne e osso.

A história, contudo, tem início na PUC do Rio de Janeiro, onde ele cursa a pós-graduação em Direito Empresarial e se choca contra o pilotis do edifício.

"...você sempre dá um jeito de se dar bem e escapar ileso de toda e qualquer situação, mesmo aquelas que foram criadas por você. Pode parecer que isso é uma qualidade, mas não é."

O choque contra a edificação poderia ser mais uma demonstração de Frank simulando um acidente para se safar de uma situação complicada. Aline - sua pretendente - é quem tinha dito algo que poderia ter levado o personagem a se lançar contra a construção, como forma de provocar nela alguma culpa, piedade ou qualquer outro sentimento que pudesse aproximá-la dele. No entanto, Frank fora levado para o hospital e o caso se apresenta mais grave do que supunha um dos amigos do protagonista. Frank, pelo menos dessa vez não havia mentido, estava em coma.

Enquanto tenta sobreviver, Frank vai rever as suas ações baseadas em mentiras. Começa na infância e se estende até a fase adulta. A mentira que tanto usou, na esfera da vida escola, na sua atuação profissional e que cercou amigos, familiares e as mulheres com que se relacionou, centraliza a vida de Frank. Mentir, mentir, mentir, esse é o seu mantra.

Mário Abade e Celso Rodrigues Ferreira Júnior nos entregam um texto bem escrito e muito bem humorado no livro publicado pela Luva Editora em 2019.

Passar pelas situações inusitadas vividas pelo mentiroso contumaz é uma aventura hilária. A estreia de ficção dos autores, que já haviam publicado uma obra jornalística, nos conduz por uma porção de eventos do mitômano.  Burlar a disciplina escolar, invadir festas e outros eventos, simular uma grave doença, inventar histórias para reunir-se com os amigos ou ir a um bar, tudo era feito pelo mentiroso compulsivo, que chegou até a inventar uma depressão. O que ele não percebera com sua mania natural, arraigada em sua alma, era que as mentiras também causaram sofrimento a quem foi seu grande amor, Aline.

Em dados momentos Frank - o homem dotado de invencionices - tentou ser franco, honesto, verdadeiro e falar o que sentia ou o que desejava. Foi um fiasco, como quando disse para Aline o que pretendia com ela. O protagonista do livro usa as mentiras que podem soar como "pequenas" e leves (numa concepção que será avalizada pelo leitor) ou mentiras que se tornam tão incríveis e impressionantes, que nos deixam boquiabertos. A história é dinâmica, Frank é um personagem intrigante e cômico.


A narrativa da obra é fluída o que garante agilidade na leitura do livro, bem como tem total conexão com o ritmo de comédia empregado no texto. Sim, não faltam passagens hilárias, diálogos engraçados e situações um tanto quanto pitorescas que garantem boas risadas.

É durante o coma que Frank se defronta com as situações de mentira e recebe a possibilidade de uma nova chance. Será que ele é capaz de reparar o mal que fez a Aline? Para isso ele vai precisar da ajuda do amigo e de quatro travestis: Joana Madalena, Janice Favo de Mel, Lady Madonna Beyoncé e Solange Soraya.

Um ponto interessante é a intervenção que os autores fazem durante a narrativa. Por vezes, chamam a atenção do leitor para alguns trechos, como por exemplo: "O caro leitor já deve estar familiarizado com esse tipo de virada dramática" ou "Não, caro leitor, não se apresse a fazer julgamentos imediatos". A narrativa ganha ares de um bate-papo dos autores para com o leitor. Ou podemos perceber que vira de fato um grande "causo" sendo contado.

Se Claude Debussy, o músico francês que faleceu em 1918 estiver certo com sua afirmativa de que "a arte é mais bela das mentiras", o livro acerta em nos encher de mentiras e mostrar que a arte (literária) nos propicia um belo momento de riso.

O jornalista, teatrólogo e escritor Nelson Rodrigues dizia: "mintam, mintam por misericórdia".  Para ele a vida social seria impossível sem a mentira. A frase e a visão de Nelson aplica-se perfeitamente ao que faz Frank, o nosso mentiroso compulsivo. As mentiras que ele conta permitem com que possa transitar no meio social de maneira mais receptiva.

Immanuel Kant acreditava que não se deve mentir em hipótese alguma. Ele seria, certamente, um filósofo abominado por Frank, porque sua teoria entra em choque com o que o protogonista do livro faz. No entanto, a visão de Kant - se comparada a história de Frank - pode ser afirmada quando contatamos que as mentiras do personagem ganham uma dimensão maior, vez que mexe tanto com ele quanto com as pessoas que são impactadas por suas mentiras. E o protagonista da obra definitivamente não liga para os impactos de suas falácias.

Já na visão de Arthur Schopenhauer algumas situações permitem o uso da mentira sem haver injustiça. Nesse caso, Frank seria uma pessoa que trafega numa linha tênue sobre o conceito do filósofo alemão. Age para se proteger, mas causa ou pode causar injustiças a quem é afetado por seus atos.

O Mitômano é uma obra divertida e muito bem construída que nos faz refletir sobre os impactos da mentira na vida em sociedade. Já contou sua mentira hoje?

Sobre os autores:

Celso Rodrigues Ferreira Junior e Mario Abbade | Foto: Reprodução
Celso Rodrigues Ferreira Junior

Carioca, vascaíno e gente boa, Celso não mente nunca. Ou quase nunca. Crítico de cinema do site Almanaque Virtual, foi assistente da curadoria da mostra “Frank Sinatra — A Voz no Cinema” e colaborou nos catálogos de diversas outras. Corroteirista do documentário “Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos” e coautor do livro “A primeira e única, New York City, a discoteca que iniciou a era disco no Brasil”.

Mário Abbade

Jornalista, publicitário, mestre em Educação, pesquisador, crítico de cinema do jornal O Globo, colunista da BandNews FM-RJ e da TV Bandeirantes, editou e organizou os livros “John Carpenter — O Medo é Só o Começo” e “Kirk Douglas – O Último Durão” e é coautor do livro “A primeira e única, New York City – A discoteca que iniciou a era disco no Brasil”. Diretor e corroteirista do premiado filme “Neville D’Almeida – Cronista da Beleza e do Caos”. Foi presidente do júri da crítica nos Festival de Cannes (2015) e de Berlim (2018) e jurado dos festivais do Rio, de Montreal, Cuba, Palm Springs, São Francisco e Dubai, entre outros. É professor do curso de cinema da Universidade Estácio de Sá – Campus João Uchôa, Rio de Janeiro. Foi presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) por dois mandatos e curador das mostras que reuniram a obra de David Lynch, John Waters, Dario Argento, John Carpenter, James Dean, Neville D’Almeida, Carlos Reichenbach, George A. Romero, Frank Sinatra, Kirk Douglas, além das retrospectivas sobre os temas “Jornada nas Estrelas”, “A Era Disco no Cinema” e “Rock Terror”. É consultor do site Almanaque Virtual e concorda com Voltaire: “A mentira apenas é um vício quando faz mal; é uma grande virtude quando faz bem”.

Ficha Técnica:

Título: O Mitômano - Uma Comédia de Verdade
Escritores: Mario Abbade e Celso Rodrigues Ferreira Junior
Editora: Luva
Edição: 1ª
Ano: 2019
ISBN: 978-85-93350-28-3
Número de Páginas: 136
Assunto: Literatura brasileira

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