O Culto – D. A. Potens - Tomo Literário


“Aqui eu abro as janelas do mal...”

As lendas ganham o imaginário popular. Você pode ter ouvido falar da loira do banheiro – que assusta a todos que frequentam o sanitário, pedindo para que retirem o algodão de seu nariz – uma lenda urbana que vai sendo difundida em vários lugares há muito tempo. Pode ainda ter ouvido falar de quem tem medo do boitatá – a cobra de fogo com dois grandes olhos que lança fogo –  uma lenda folclórica brasileira. Até o Saci, outro ser lendário, por mais simpático que possa parecer, causa calafrios em algumas pessoas. Os seres apresentados nas lendas povoam a mente, e acabam provocando medo e pavor, mexendo com questões que muitas vezes perturbam: a morte, a alma penada, o mistério, o oculto.

A cabra preta é uma figura que poderia perfeitamente fazer parte de uma lenda. Uma lenda, contudo, cheia de obscurantismo e significados, que está pronta para causar calafrios. O Culto, novela do autor D. A. Potens, tem o objetivo de contar a história sobre o surgimento dessa entidade, que foi originalmente criada em seu conto A Oração da Cabra Preta, publicado no Wattpad.

A novela O Culto, cumpre sua função como ficção de terror. É capaz de perturbar o leitor, de fazê-lo adentrar a escuridão e de flertar com o medo. Não estranharia em ver as pessoas nos recônditos do país ou nos grandes centros, fugindo da cabra preta, ora imaginando que pode ser atacada por ela, ora temendo que alguém lance uma maldição invocando-a.

A forma como uma história é contada também há que ser considerada e o modo empregado pelo autor foi bem delineado.

“Você terminará de ler e não saberá meu nome, sequer qualquer traço do meu verdadeiro eu; quem sabe alguns. Só peço que leia com atenção e antes de cada leitura, peça licença ao tocar os olhos neste texto, pois ele é protegido por entidades muito antigas, que não hesitarão em destruir aquilo que você chama de vida”. Eis aí o alerta que o personagem narrador faz ao leitor da novela.

O personagem não se revela, como o trecho acima explicita. Ele conta a história em primeira pessoa e usa do recurso de chamar a atenção do leitor ao dirigir-se a ele, em dados momentos. O narrador fala ao leitor e conta com detalhes a origem da cabra. Tal personagem cria um jogo curioso com quem lê e que, certamente, desperta a vontade de prosseguir lendo.

Até por meio dos marginalizados o terror prenunciado pela cabra preta se manifesta. Pessoas que são renegadas a uma vida miserável (e aqui a miséria não refere-se apenas a pobreza ou a carência de riquezas). Possivelmente, a miséria está presente na própria vida, no espírito, na forma com que tais personagens encaram sua vida, no modo como veem o mundo. Nas fragilidades de tais humanos, a presença da cabra preta se fortalece, utilizando tais pessoas como uma ferramenta ou um meio para a execução de atos nada nobres. Quiçá até como uma forma de tais pessoas se livrarem das mazelas a que são lançadas, uma forma de vingança contra a vida que levam. A cabra deixa, por onde passa, um rastro de crueldade.

Com precisão o autor traz à trama, em segundo plano, a presença de personagens muitas vezes marginalizados. Estão presentes o morador de lugares menos abastados do país, o mendigo, a criança que sofre na escola, o pobre, a mulher objetificada, o humano em busca da estética. Por meio de tais personagens, revela-se o terror que elas tem em relação ao que vivem, a revolta, o ódio. No cerne do terror provocado a estas pessoas e por estas pessoas, a cabra preta reina absoluta.

D.A. Potens mescla a presença religiosa, demonstrada pelo personagem padre, o pecador que se revela em alguém acima de qualquer suspeita na sociedade, passando pela forma como a igreja encara o oculto; e usa o obscurantismo, na invocação da entidade que se manifesta para aterrorizar. Inclui ainda, uma visão ligada aos índios, numa mescla interessante para explicar o fenômeno da cabra. O mal habita a humanidade, e tal qual o homem é capaz na realidade, a ficção exacerba o mal.

É preciso que o leitor esteja disposto a encarar o terror de frente, pois os detalhes das cenas são realmente pavorosos, contados com maestria. Algumas passagens causam náusea a quem lê. Logo, o autor consegue transmitir a crueldade e a barbaridade de que a cabra preta é capaz. Potens mostra tudo de forma contundente e crua. Terror e horror não faltam nesta novela, recheada de cenas fortes e chocantes, que expõe o teor sem firulas ou metáforas.

“Sangue espesso espirrou no cenho da senhora, que teve a infeliz oportunidade de presenciar sua filha ser rasgada de dentro para fora por pequenas mãos escurecidas...”

O recurso de entremear passado e presente, num vai e vem, é empregado de forma a nos dar referência à origem daquela história que está sendo contada. Por isso, a narrativa feita em primeira pessoa, não é linear. O personagem vai contando sobre as situações que passam pela sua recordação e fala ao leitor sobre aquilo que lhe teria sido revelado em sonhos.

O Culto é um livro que você começa a ler e não consegue parar até devorá-lo por inteiro. Li do início ao fim de uma única vez (parei apenas para postar uma mensagem referente ao livro, no Facebook). A leitura foi realizada numa madrugada silenciosa, que propiciou o mergulho intenso no terror apresentado por D. A. Potens.

A narrativa é bem arquitetada e tem um desfecho condizente com o percurso da história. Volto a escrever: é chocante. Um livro de terror nacional surpreendente!

Não que seja o objetivo da obra e, logicamente, nem sempre a ficção tem que deixar uma mensagem de reflexão, mas vale mencionar que ao ler O Culto, paira a indagação: somos todos maus? A treva habita em nós?

Foto: Reprodução
Sobre o autor:

D.A. Potens é o pseudônimo de Danilo de Almeida, 23 anos, paulista. É escritor de terror, horror, suspense, drama e fantasia; sendo suas inspirações os filmes de terror japoneses, bem como os grandes clássicos como Sexta-feira 13, além de animes do gênero. Atualmente, possui contos publicados nas plataformas Amazon e Wattpad. Dentre eles A Dama de Branco, Sursum Corda, Soterrados e A Oração da Cabra Preta, seu texto mais contemplado. Ademais, é integrante da comunidade de escritores fantásticos e malditos, a MaldoHorror, da qual tem orgulho de fazer parte.

Ficha Técnica

Título: O Culto
Escritor: D. A. Potens
Editora: Publicação Independente
Edição: 1ª
Ano: 2017
Número de Páginas: 146
Assunto: Terror nacional

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