Dois – Oscar Nakasato - Tomo Literário

O antagonismo presente no laço sanguíneo.

Dois, de Oscar Nakasato, é o segundo livro do autor e foi publicado pela Editora Tordesilhas em 2017 (183 páginas).

O livro traz a história de dois irmãos: Zé Paulo e Zé Eduardo, que vivem em Maringá (Paraná) e tem uma irmã chamada Maria Luísa e outro irmão chamado Zé Carlos (irmãos do meio). O primeiro é o mais velho e tem uma personalidade mais conservadora, além de ser metódico. O segundo é mais afoito e instável. Ao longo do livro temos a história narrada pelos próprios personagens, numa alternância de visões sobre os fatos que eles nos contam. A base do livro está na idiossincrasia desses dois personagens.

“Não sei por que me perseguem como se eu fosse um criminoso ou tivesse alguma dívida, justamente eu, que sempre andei na linha reta da lei...”

Zé Eduardo era visto por seu irmão, que era relojoeiro, como um vagabundo e torto. Em verdade, Zé Eduardo era inquieto e suas decisões ao longo da vida, construíram uma trajetória diversa da esperada ou imaginada por Zé Paulo. Eduardo chegou a militar na política e foi exilado.

Os personagens criados por Oscar Nakasato abordam questões familiares, as desavenças, suas visões sobre o mundo, seus pensamentos sobre a vida que levam e sobre os membros da família. Agora são idosos, já com netos, e contam suas impressões sobre o que viveram em tom confessional. É possível ao leitor sentir a voz de um ente próximo, de mais idade, falando por meio desses personagens, pois com o passar do tempo, a idade dá ao indivíduo certa liberdade de manifestação, por vezes fugindo ao politicamente correto. Falam o que pensam e sentem, sem se importar com o que o outro ou os outros vão pensar, e se vai atingi-los ou não.

As explanações que os personagens fazem apontam uma família, de certo modo, abalada que lida com a infelicidade. Os irmãos são opostos, carregam ressentimentos e mágoas um em relação ao outro. Sentimentos difusos que transparecem nos comentários e que se ressalta, possivelmente, pela diferença que existe entre eles. Os dois, apesar de irmãos, soam estranhos um ao outro. Essa desigualdade que os define ao longo da vida e que foi reforçada desde a infância, passando pela adolescência, perdura. Eles tocam em feridas da família: a filha rejeitada; as relações conturbadas; o passado doloroso; as dores do presente; ressentimentos que foram maturando com o avançar da idade.

“Hoje quase nada sei. Acordo todos os dias para vier as incertezas que me cabem, feliz por poder responder: eu não sei. A ignorância é leve, poupa-nos de muitos aborrecimentos. E o dia é longo, sinuoso, embora os outros me assistam vivendo o concreto.”

A relação de Zé Eduardo e Zé Paulo é como um jogo de espelhos, em que os contrários ao se oporem, justificam o que lhes aflige e dão substância a existência do outro. Se um é duro o outro entende a leveza; se um é inquieto o outro mantém-se concentrado; se um deixa a vida seguir seu curso o outro quer controle; se um carrega o peso social da progenitura o outro se sente livre pelo fato de ser caçula. A relação dos irmãos, que poderiam ter usufruído melhor de suas diferenças, fez alargar a distância, foi se tornando fria, tanto fisicamente falando, quanto psicológica e ideologicamente. Eles carregam seus rancores e, de maneira esmerilhada, num texto lapidado, o autor nos faz embarcar nos contrapontos dos personagens, nas suas inquietações.

“Enquanto viver serei assim? Não digam que sou um velho, pedra que já rolou o que tinha que rolar e estacionou para criar limo.”

A publicação tem uma abordagem que dá uma visão sobre o outro. Como vemos, interpretamos, entendemos o que ou quem não somos, indistintamente. Ainda que a história paire sobre os irmãos, evoca a sensibilidade de perceber qualquer um que nos cerca. Ao se dar conta da personalidade de cada um dos personagens, é mister que o leitor acabe se afeiçoando ou tomando partido de um deles, mas vai sendo envolvido por ambos, modelando a impressão primeira (antiga) construída.

Antes de concluir, permitam-me abrir um parêntese. O sumário do livro chama a atenção. O enunciado do capítulo é extenso, iniciado por um EU – assim mesmo, grafado em letras garrafais. O que ocorre-me, após concluir a leitura, que “EU” é uma forma de frisar a posição de cada um dos irmãos, ao narrar a sua história. Reforça a “minha” visão sobre o que conto, o “meu” posicionamento, o que “eu” sinto, o que “eu” vi, o que “eu” vivi. E pode não ser nada disso.

Dois é um livro com um belo texto, fluído e preciso. A construção da narrativa, o emaranhado de recordações que revelam lacunas (como são as lembranças que temos de um tempo passado), a forma com que o autor descreve mantendo a característica de cada um dos personagens criados e os detalhes que são revelados, fazem com o que o leitor seja absorvido até a última página.

Sobre o autor

Foto: Reprodução
Oscar Nakasato é um escritor brasileiro, neto de japoneses. Professor universitário, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada e doutor em Literatura Brasileira. Foi colaborador do Caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, com resenhas críticas sobre literatura japonesa. Conquistou diversos prêmios literários com seus contos antes de seu romance de estreia, Nihonjin, ganhar o Prêmio Benvirá de Literatura (2011), O Prêmio Literário Nikkei – Bunkyo de São Paulo (2011) e o Prêmio Jabuti, na categoria romance (2012). Dois é o seu segundo romance.

Ficha Técnica

Título: Dois
Escritor: Oscar Nakasato
Editora: Tordesilhas
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-8419-058-4
Ano: 2017
Número de Páginas: 183
Assunto: Ficção brasileira

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