[Entrevista] Ben Oliveira - Tomo Literário


Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. Tem contos publicados na Amazon e em diversas coletâneas e é autor do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e do livro Escrita Maldita. O escritor concedeu entrevista ao Tomo Literário e falou sobre ser escritor, seus livros, indicações literárias e muito mais.

Tomo Literário: Quando e como surgiu a sua vontade de se tornar escritor?

Ben Oliveira: Minha vontade de me tornar escritor surgiu durante a adolescência. Me lembro que durante os anos escolares eu escrevia contos sem ter ideia do que eram durante as aulas de redação, isso acabou atrapalhando um pouco o meu envolvimento com a disciplina, pois me fez perceber o quanto era algo negligenciado no ensino brasileiro. Ser escritor, muitas vezes, não é algo incentivado. A leitura de livros que não fossem importantes para o vestibular não era algo trabalhado em sala de aula – não estou falando somente do preconceito com obras contemporâneas, mas até mesmo de livros clássicos da literatura universal. Na minha época, muitos professores ficavam presos somente na literatura que poderia vir a ser cobrada nas principais provas do país. Foi somente durante a graduação com a participação em concursos literários, primeiros contos publicados e quando um dos meus romances foi pré-finalista de um prêmio importante de literatura no país, que acabei vendo a possibilidade de continuar investindo na escrita. A vontade de contar minhas próprias histórias só foi aumentando cada vez mais e quase sempre se pautou pela vontade de escrever sobre aquilo que eu tinha vontade de ler e não encontrava, por isso comecei escrevendo narrativas com personagens gays. Antes das minhas primeiras publicações, tinha reunido esses contos em um manuscrito, mas na época, pouquíssimas editoras publicavam obras com temática gay, todos com uma pegada sombria.

Tomo Literário: Escrita Maldita, é um livro que tem personagens escritores, que em meio ao sobrenatural também revelam os anseios e inquietações de quem escreve. Como surgiu a ideia do livro?

Ben Oliveira: Daniel Luckman não descansou enquanto o livro não foi publicado. Parece loucura, mas alguns personagens têm mais influência sobre os escritores do que imaginamos. É o que explica porque alguns livros são escritos por completo, porque outros são deixados pela metade ou nem mesmo passam dos primeiros capítulos – alguns personagens querem que suas histórias sejam contadas e de tanto insistir, nos faz perceber a importância. Dizem que boas ideias não se perdem e que elas voltam para gente de alguma forma. Então, mesmo enquanto escrevia outras histórias, a trama de Escrita Maldita continuava martelando na minha cabeça. A ideia foi a de brincar com a ideia da metaficção e mostrar para o leitor como o processo de criação pode ser mais inquietante do que imaginamos e de como a literatura de horror está conectada por fios invisíveis: escritores de diferentes épocas e lugares. Daniel foi ganhando vida, até se tornar um personagem bem complexo e palpável. Desde o início nós já percebemos o quanto a escrita é importante para ele. A escolha do pseudônimo adotado pelo personagem, Luckman, tem relação com essa sorte dele. Quantos escritores de terror conseguem fazer sucesso com o seu primeiro livro? O que também levou a escolha da ambientação nos Estados Unidos. Se a história se passasse no Brasil, se tornaria bem inverossímil, pelo menos até o momento: nosso mercado editorial está se transformando, mas ainda são poucos escritores que conseguem se dedicar à escrita integralmente. Existe um lado catártico em Escrita Maldita, mas assim como o leitor, me senti agoniado enquanto escrevia o livro. Alguns leitores descreveram como o livro pode ser bem asfixiante: e é bem isso, o processo de criação artístico pode ser uma loucura. O processo foi bem orgânico e dá para sentir a diferença de ritmo entre as duas partes, mostrando como o contato com Laurence Loud acaba catalisando as reações de Daniel. Foi também uma singela homenagem a escritores de terror que sofreram com o preconceito, como Edgar Allan Poe e Stephen King. A escrita pode ser um dom, mas pode ser maldição. Se não era fácil para quem viveu em locais onde a literatura é apreciada, imagine como é quando estamos cercados de pessoas que não apreciam o ofício, a realidade em nosso país.

Tomo Literário: Quanto tempo durou o processo e quais foram os maiores desafios?

Ben Oliveira: Não saberia informar exatamente quanto tempo levei para escrever Escrita Maldita. Escrever um livro de terror é um desafio bem grande, especialmente por causa do preconceito que existe. Então, ao mesmo tempo em que o romance está cheio de referências literárias e cinematográficas, a proposta foi a de possibilitar ao leitor conhecer de perto o processo de criação literária dos personagens principais. Existe um ranço em relação à literatura de horror, um preconceito que ainda persiste nos nossos dias. Foi desafiador deixar as coisas acontecerem no ritmo certo. Creio que o resultado final agradou aos leitores. A história se passa em uma casa em uma região distante. O isolamento por si só pode ser enlouquecedor. Eu quis brincar com as linhas entre o terror psicológico e o terror sobrenatural, brincando com o jogo de expectativas do leitor. Essa brincadeira de esconder e revelar aumenta a angústia e chega um instante que desejamos que o final venha logo, pois queremos respostas. É desafiador não deixar as revelações principais transparecerem antes da hora e, como diria uma leitora, quando você acha que descobriu o que aconteceu, boom, vem outra reviravolta.

Tomo Literário: Você tem livros na Amazon e no Wattpad. Na sua visão, qual a importância das plataformas de publicação para os escritores?

Ben Oliveira: Acredito que cada plataforma tem seus pontos positivos e negativos. O autor precisa estar consciente e traçar o que é melhor para sua estratégia. Se eu tivesse colocado Escrita Maldita no Wattpad e O Círculo na Amazon, por exemplo, os resultados seriam completamente diferentes. O Wattpad é uma plataforma com um público mais jovem. A importância da plataforma é a de possibilitar ao escritor se conectar diretamente com os seus leitores. Na época do romance de folhetim, os escritores publicavam capítulos com diferentes frequências nos jornais. Creio que o Wattpad acabou servindo como uma ferramenta moderna e com efeitos similares, mas muito mais interativa. Já o KDP da Amazon é uma ferramenta que possibilita ao autor publicar o livro em formato digital e em formato impresso (esta segunda parte ainda está em fase Beta e tem muito a melhorar, mas já é um avanço). A Amazon possibilitou a escritores independentes publicarem suas histórias que ficariam adormecidas e esquecidas em gavetas. A quantidade de autores publicados por editoras tradicionais, especialmente no Brasil, ainda é bem pequena; há uma forte demanda por livros de autores internacionais. Essas plataformas vieram para somar no Brasil, mas também têm sido úteis no mundo inteiro. Existem autores que conquistaram visibilidade por causa do Wattpad, assim como existem aqueles que conseguem apostar na publicação contínua de seus livros de forma independente, optaram por contratos híbridos (a editora publica a versão física, mas o autor detém os direitos da versão digital) e aqueles que fizeram tanto sucesso na forma independente que acabaram migrando para editoras tradicionais (algumas vezes, somente em outros países, permanecendo independentes no seu país de origem). Ainda há um preconceito grande com autores independentes no Brasil e muitos leitores não têm ideia que eles consomem livros de editoras de autores indie internacionais.

Tomo Literário: Por falar em Wattpad... Como nasceu a série Os Bruxos de São Cipriano?

Ben Oliveira: A série começou a ser escrita antes do Escrita Maldita. Aliás, dá para perceber bastante a diferença entre as duas obras, seja por uma ser de terror e a outra de fantasia, como da linguagem e o estilo. O Círculo, que é o primeiro livro da série Os Bruxos de São Cipriano, tem uma pegada mais leve e é voltado para o público mais jovem. Quando comecei a me aventurar pelo estudo da arte da ficção, uma frase me marcou bastante: “Escreva o livro que você gostaria de ter lido”. E é assim que eu me sinto em relação a essa série. Os personagens se envolvem com a bruxaria e isso me fez pensar em uma parte da minha vida na qual tinha afinidade o estudo desta religião. Eu sentia uma fome por livros de ficção que retratassem esse universo para jovens, mas não encontrava. É uma série de livros de fantasia urbana, mas que se aproxima da bruxaria moderna (Wicca). A história se passa em uma cidade fictícia chamada São Cipriano, localizada no sul do Brasil. São personagens que ganharam vida e é muito gostoso acompanhar os leitores torcendo, sofrendo e brigando com os personagens.

Tomo Literário: Além de escritor, você administra seu blog. Como é dividir o tempo escrevendo, produzindo conteúdo e divulgando?

Ben Oliveira: É um desafio diário e pode ser bem exaustivo para a mente. Mesmo quando não estou escrevendo os livros, contos ou textos soltos, estou pesquisando e planejando conteúdo para o blog. Gosto de lembrar da importância de fazer pausas também, de tirar um tempo para respirar. Quem é apaixonado por livros, muitas vezes, acaba engatando uma leitura na outra e quando se é escritor, tudo fica mais intenso ainda. Acredito que é importante fazer algo para distrair a mente e deixá-la descansar também. A fadiga mental é um problema bem sério para quem está sempre atolado de leituras, escrita e produzindo, sem falar da necessidade de estar nas redes sociais para divulgar e interagir – esse volume de informações provoca ansiedade e mal-estar. Quem acompanha o blog sabe que reduzi bastante a quantidade de resenhas de livros, mas continuo atualizando. Tive que aceitar minhas próprias limitações, principalmente por ser autor independente. Ter que fazer tudo: escrever, revisar, diagramar, criar peças de divulgação, entre outras atividades pode ser esgotante. Falar sobre livros no Brasil nem sempre dá o retorno esperado, mas acredito que é algo importante de se fazer.

Tomo Literário: O que te inspira a escrever?

Ben Oliveira: Minha necessidade de contar histórias. Há uma frase que muitos escritores falam de saber se é o ofício certo para você: “Você é um escritor quando não consegue se imaginar sem escrever”. É como me sinto. É bem intenso. É óbvio que é um tanto exagerado e hoje em dia existem muito mais escritores do que antigamente, especialmente por causa dessas plataformas de publicação online. Eu anoto as ideias e vou deixando elas amadurecerem. Algumas são tão fortes que precisam ser escritas. Já aconteceu de uma ideia para um livro inteiro se tornar o capítulo de um livro ou só um conto, por exemplo. Gosto de dizer que quando se é escritor as ideias nunca se perdem, elas acabam voltando de um jeito ou de outro. Tenho a mania de rabiscar essas ideias em cadernos e arquivos, mesmo que no momento elas não façam o mínimo sentido. Gosto de escrever como uma forma de retribuir um pouco desta paixão pelos livros. Faço parte daquelas pessoas que acreditam que os livros são mágicos e que a vida seria insuportável sem a ficção. Quem gosta de ler só livros de não ficção ou quem não gosta de ler, não entende a importância das narrativas em nossas vidas, mas há tanto o que aprendemos, vivenciamos e experimentamos através dos romances e contos.

Tomo Literário: Você tem algum processo para elaborar as histórias e personagens?

Ben Oliveira: Depende muito do que estou escrevendo. Cada projeto é um projeto. Algumas histórias são escritas de forma tão fluida, que é como se eu estivesse em transe e as palavras escorressem (geralmente as crônicas e os contos), enquanto outras exigem mais planejamento para amarrar as pontas. No esboço, os personagens não têm tanta vida, são como criaturas de papel. Às vezes, preciso deixá-los me guiar para que eu possa conhecer mais cada um deles. Geralmente dizem que existem escritores jardineiros e arquitetos, eu sou uma mistura dos dois. Acredito que só o planejamento não me move, preciso das pulsões, dos instintos, daquilo que ferve nas vísceras do personagem. O excesso de planejamento sem dar esse sopro de vida, para mim, acaba tornando a história muito artificial. Gosto de saber para onde estou sendo guiado, de ter as direções, mas também gosto de quando o personagem segura as minhas mãos no escuro e vai me arrastando. Às vezes, o que eu planejava para uma cena ganha contornos bem diferentes.

Tomo Literário: Está trabalhando em algum novo projeto literário? Pode dividir informações conosco?

Ben Oliveira: No momento estou finalizando de escrever o segundo livro da série Os Bruxos de São Cipriano – o romance de fantasia também está disponível gratuitamente no Wattpad – e estou escrevendo o meu próximo livro de terror. Tudo o que posso adiantar sobre o próximo livro é que tem uma pegada mais de terror sobrenatural. O título provisório se chama O Terceiro Véu e vai contar a história de uma garota que nasceu com o dom da clarividência. O livro não é uma sequência de Escrita Maldita, mas está amarrado a ele pelos fios invisíveis. Enquanto Escrita Maldita tem um terror mais implícito, psicológico, O Terceiro Véu vai escancarar essas portas. A premissa do novo romance é a de mostrar que não importa se acreditamos ou não em atividades paranormais, muitas vezes, elas simplesmente acontecem. É o que mais me intriga em casos Poltergeists, por exemplo. Muitas pessoas não conseguem encontrar explicações e nunca há consenso do que realmente aconteceu, até que ponto as nossas mentes pregam peças, especialmente quando em casos que envolvem mais de uma pessoa e como o desconhecido pode nos levar à loucura – mesmo que pelo olhar do outro. No final das contas, acredito que nunca saberemos. Assim como o final de Escrita Maldita leva a muitas perguntas, um dos personagens vai ter seus minutos de holofote no novo livro.

Tomo Literário: Que autores você recomenda ou quais autores influenciaram o seu trabalho como escritor?

Ben Oliveira: Creio que o escritor é influenciado a cada leitura. O tempo inteiro estou bebendo de outras fontes. Minhas principais influências são Edgar Allan Poe e Stephen King, mas não se esgotam por aí. Gosto de intercalar o contemporâneo com o clássico, assim como apesar de escrever terror e fantasia, minhas leituras são bem ecléticas.

Tomo Literário: Que livros, de quaisquer gêneros, você indicaria aos leitores e de que maneira esses livros te tocam?

Ben Oliveira: Poderia indicar livros internacionais, mas vou aproveitar o espaço para citar de escritores nacionais. Acredito que é importante essa oxigenação. Temos muitos autores talentosos. Para  quem gosta de literatura sombria, indico Negro Amor, do Ricardo Bellissimo. Li esse livro enquanto escrevia Escrita Maldita e foi uma experiência bem intensa. Em alguns momentos, me senti tão transportado para o romance, que foi como se eu estivesse me transformando no meu próprio personagem. Para quem gosta de thriller policial, recomendo O Sincronicídio, do Fábio Shiva. É um livro que envolve filosofia, romance policial e ficção científica. O livro te surpreende a cada virada de página e ao final da leitura, você sente tanta catarse e fica com aquele gosto de que um véu foi tirado dos seus olhos – uma experiência mística. Para finalizar, pensando um pouco nesse cenário de caos político, recomendo Promessa de Liberdade, da escritora Evelyn Postali. É um livro que te faz refletir sobre como o poder leva à corrupção e de como nossa liberdade pode ser facilmente ameaçada. Foi um livro que me deixou ansioso, embora sua premissa seja a de imaginar um Brasil em que a escravidão não foi abolida, sua pegada de distopia poderia ser bem próxima do cenário em que vivemos.

Tomo Literário: Quer deixar algum comentário para os leitores?

Ben Oliveira: Quero agradecer em primeiro lugar pela oportunidade de participar desta entrevista. Gosto muito do conteúdo do seu blog e acredito bastante na importância de mais pessoas falando sobre livros no Brasil. Aos leitores, agradeço por tirar um tempo para ler a entrevista e deixo o convite para conhecer minhas histórias no Wattpad ou na Amazon.

Conheça os livros de Ben Oliveira

Escrita Maldita

Após se tornar um best-seller com seu romance de terror de estreia, Daniel Luckman está prestes a realizar um sonho: escrever um livro com Laurence Loud, um dos melhores escritores de horror dos últimos tempos. Quando o colega põe os pés em sua casa, coisas estranhas começam acontecer. A linha entre a ficção e a realidade, a loucura e a sanidade, os pesadelos e as alucinações se dissolvem. Uma história de mistérios, passados sombrios e amor. Quando dois escritores de terror se juntam para escrever uma história, tudo pode acontecer.

O processo de criação pode ser intenso, as emoções podem ficar confusas. Você estaria disposto a sacrificar tudo pelos seus sonhos?

Disponível na Amazon.


O Círculo

Livro 1 da série Os Bruxos de São Cipriano.
 
Os adolescentes Babi, Jess, Leo e Manu estão cansados de viver em São Cipriano, uma cidade minúscula, onde as coisas nunca acontecem. As férias acabaram e mais um ano letivo está prestes a começar. Manu passou as férias inteiras nos universos de fantasia de seus jogos favoritos de RPG. Babi voltou de um festival de música em São Paulo. Leo estava se divertindo em Nova Iorque. Jess ficou morrendo de tédio em casa.
 
Depois de um sonho com os amigos, Jess sente que as coisas não vão ser as mesmas em São Cipriano.

Disponível no Wattpad.

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2 comentários:

  1. Ótima entrevista! É sempre bom conhecer um pouco mais sobre o processo e as influências do autor.

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